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Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir?

por Maira Marzinotto
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7 minutos

Por vezes nos deparamos com pacientes que, mesmo sem um motivo aparente, apresentam aumento de enzimas pancreáticas (lipase ou amilase) no sangue. Quando valorizar esse achado? A dosagem das enzimas fora do contexto de dor abdominal é indicada?

Chamamos de hiperenzinemia pancreática o aumento das enzimas no sangue. São várias as possíveis causas para esse aumento, que geralmente envolvem um desbalanço entre a liberação de enzimas na corrente sanguínea e o clearance delas, que pode se apresentar diminuído. 

A primeira questão a ser lembrada é que a amilase é uma enzima produzida por diversos tecidos, sendo os de maior destaque as glândulas salivares e o pâncreas. A lipase é bem mais específica do pâncreas, embora alguns sítios possam produzir lipase também, como o estômago, duodeno, cólon e fígado. 

Essas enzimas são parcialmente eliminadas pelos rins e pelo sistema retículo-endotelial (especialmente pelo fígado). É dessa forma que as enzimas são retiradas do sangue em situações fisiológicas.

Causas de Hiperenzinemia Pancreática

Sem dúvida a principal causa de elevação de enzimas pancreáticas é a pancreatite aguda (PA). Esse é um dos critérios para o diagnóstico da PA definidos pelo Consenso de Atlanta Modificado em 2012, conforme tabela 1.

Tabela 1.- critérios diagnósticos para Pancreatite Aguda

Faz sentido, portanto, a dosagem das enzimas no contexto de dor epigástrica (que pode irradiar para hipocôndrios e dorso), acompanhada de náuseas e vômitos. Neste caso, o aumento superior a 3x o limite superior da normalidade concluiria o diagnóstico de PA, sem a necessidade do exame de imagem. 

A dosagem das enzimas fora do contexto de dor ainda podem representar algum problema pancreático. Qualquer processo patológico na glândula pode se manifestar com aumento de enzimas. Alguns exemplos são:

  • Neoplasias pancreáticas
  • Neoplasias peri-ampulares
  • Dilatações ductais, como as encontradas nos IPMNs
  • Pancreatite crônica
  • Disfunção do esfíncter de Oddi
  • Anormalidades anatômicas, como Santorinocele ou Pancreas divisum
  • Coledococele
  • Manipulação da papila, como nas CPREs

Sabendo disso, faz-se necessária uma boa imagem pancreática para exclusão dessas etiologias, especialmente as neoplasias. 

Existem causas extra-pancreáticas de aumento de liberação de enzimas, tais como: infecções por vírus pancreatotrópicos (Hepatite B, Hepatite C, HIV), cistos ovarianos rotos, gravidez ectópica e distúrbios alimentares. Quadros vasculares podem levar a isquemia das células acinares e elevação das enzimas no sangue (mesmo sem pancreatite aguda). Mesmo diante dessas situações, é sempre necessária a visualização da glândula pancreática. 

Como já foi dito, o clearance das enzimas é parcialmente realizado pelos rins, fígado e baço. Portanto, qualquer prejuízo na função desses órgãos pode acarretar a hiperenzinemia, como nos casos da doença renal crônica, insuficiência hepática e pacientes esplenectomizados. 

Pacientes submetidos a cirurgia pancreática, e até outras cirurgias (como pulmonar e cardíaca) também podem ter elevação das enzimas de forma temporária.

Medicamentos

Assim como alguns medicamentos podem causar pancreatite aguda, existem também medicamentos que levam a hiperenzinemia sem a presença dos critérios de PA. Dentre as principais associações estão: azatioprina, didanosina, ciclosporina, paracetamol, efedrina, pentamidina, dentre outros. Mais recentemente, os agonistas de receptor de GLP-1 (medicações utilizadas para tratamento de diabetes e obesidade) foram relacionados com aumento sérico de enzimas pancreáticas. 

Diferentemente do que ocorre com os casos de pancreatite aguda, os medicamentos causadores de hiperenzinemia (sem PA) não requerem a suspensão do uso.

Macroamilasemia

Uma condição já reconhecida há algum tempo é a macroamilasemia. Nesses casos, a amilase produzida pelo indivíduo se liga a outras proteínas séricas ou sofrem um processo de polimerização que tornam maior a molécula de amilase (que normalmente tem em torno de 50 kDa), assim chamada de macroamilase (que pode variar de tamanho entre 150 kDa até 2.000 kDa). 

Nesses casos, a macromolécula acaba não sendo filtrada corretamente pelos túbulos renais, e permanece circulando na corrente sanguínea, causando um aumento sérico nos níveis de amilase. 

O diagnóstico de macroamilasemia é feito com o cálculo do clearance de amilase na urina, ou com a dosagem da macroamilase na corrente sanguínea. Essa condição não é patológica e não traz nenhum prejuízo para o indivíduo, embora seja associada com algumas patologias, como a  Doença Celíaca, por exemplo. 

Nesses casos a dosagem de lipase é normal. É descrita a macrolipasemia, embora seja muito mais rara do que a macroamilasemia.

Como investigar?

Aqui apresentamos um algoritmo de como investigar os casos de hiperenzinemia pancreática.

Adaptado de Frullonni, L et al. 2005

Por fim, se o paciente tiver alteração de enzimas pancreáticas, com exame de imagem normal, e sem exposição relevante a álcool e medicamentos e excluída a hipótese de macroamilasemia, e se essas alterações se sustentarem por um período maior que 2 anos, pode-se firmar o diagnóstico de Hiperenzinemia Pancreática Benigna ou Síndrome de Gullo

Mensagens para Casa:

  • A Hiperenzinemia Pancreática pode ter relação com patologias pancreáticas (pancreatite aguda, pancreatite crônica ou neoplasias pancreáticas) e também com problemas extra-pancreáticos (disfunção renal, insuficiência hepática dentre outros).
  • Frente a alteração de enzimas pancreáticas devemos sempre ter um bom exame de imagem da glândula.
  • Faz-se necessário descartar macroamilasemia nos casos de aumento isolado de amilase.
  • Na anamnese, sempre avaliar uso de medicações, que podem causar o aumento de enzimas – na ausência de pancreatite aguda, não é necessária a suspensão das medicações.
  • Frente ao diagnóstico de Hiperenzinemia Pancreática Benigna – ou Síndrome de Gullo – tranquilizar o paciente, pois essa condição não predispõe a alterações pancreáticas futuras.
Leia também sobre aumento de CA19-9

Elevação do marcador CA 19-9

Referências:

  1. Banks PA. et al. Classification of acute pancreatitis— 2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013, pp. 102-111.
  2. Frullonni, L et al. Pancreatic Hyperenzymemia: Clinical Significance and Diagnostic Approach. JOP. J Pancreas (Online) 2005; 6(6):536-551.
  3. Chen, Y et al. Risk factors associated with elevated serum pancreatic amylase levels during hemodialysis. Hemodialysis International 2011; 15:79–86
  4. Lando HM, Alattar M, Dua AP .Elevated amylase and lipase levels in patients using glucagon like peptide-1 receptor agonists or dipeptidyl-Peptidase-4 inhibitors in the outpatient setting. Endocr Pract (2012)18(4):472
  5. Gossum, AV. Macroamylasemia: a Biochemical or Clinical Problem? Dig Dis 1989; 7:19-27.
  6. Gullo, L et al. Benign pancreatic hyperenzymemia or Gullo’s syndrome. Advances in Medical Sciences · Vol. 53(1) · 2008 · pp 1-5

Como citar este artigo

Marzinotto M. Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir? Gastropedia 2023, vol 2. Disponivel em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/aumento-de-enzimas-pancreaticas-no-sangue-como-investigar-ou-conduzir/

Maira Marzinotto

Medica responsável pelo Grupo de Pâncreas da Disciplina de Gastroenterologia Clínica do HCFMUSP


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